A educação pública brasileira sofreu duros golpes nos últimos anos. Além de lidar com a árdua tarefa de recuperar o deficit educacional imposto pelo ensino remoto, os professores, homenageados no dia 15 de outubro, têm em mãos o desafio de cruzar a barreira do desinteresse de pais e alunos pela educação.
Professora há mais de 30 anos e especialista em Educação Infantil, Kátia Araújo, 53 anos, relata que hoje o maior desafio do professor é trabalhar sem a ajuda da família.
Ao Correio do Estado, Araújo destaca que a participação da maioria dos pais na vida escolar de seus filhos termina nos portões da escola.
“A maioria dos pais não faz questão de conhecer os docentes e de participar das tarefas escolares. Com isso, os alunos não conseguem perceber a importância da educação na vida deles e não há mais essa ponte entre a instituição e o núcleo familiar”, salienta.
Conforme levantamento da Moderna, do Grupo Santillana, 29,54% dos professores entrevistados em todo o País apontam que a falta de infraestrutura e de recursos é o maior desafio na rede pública de ensino. Na sequência, 19,25% dos docentes se queixam da falta de suporte familiar na vida escolar das crianças.
Segundo a pesquisa, para os professores do Ensino Fundamental 2, que compreende alunos do 5º ao 9º ano, a falta de interesse do estudante é um desafio para 36,63% dos docentes. “Quando as crianças veem que os pais ou familiares não dão importância para a educação, o desinteresse pela escola é replicado”, pontua Araújo.
Para a professora Lilian Vieira, 42 anos, é comum que a falta de estrutura familiar corrobore para que as crianças demonstrem no ambiente escolar comportamentos de intolerância, falta de limite e desrespeito com os professores, colegas e funcionários.
“Não vou generalizar, mas grande parte das famílias não gosta de ser incomodada com problemas relacionados à vida escolar do aluno. Como sempre, eles trabalham, não têm tempo. E outras vezes não sabem mesmo o que fazer”, relata Vieira, que atua há 17 anos como professora.
DEFASAGEM
Conforme a presidente em exercício do Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública (ACP), Zélia dos Santos, a instabilidade no comando do Ministério da Educação (MEC) nos últimos anos tem contribuído para a crise na educação.
“Tivemos, por parte do governo federal, mais de cinco ministros da Educação nos últimos anos e nenhum atuou de forma efetiva recuperando propostas ou inovando em alguma coisa”, afirma.
Para Santos, os professores têm pela frente o desafio de recuperar o aprendizado defasado nos últimos dois anos de pandemia de Covid-19.
“Temos uma rede de internet deficitária, uma estrutura física por vezes comprometida e temos o grande desafio de recuperar essa aprendizagem, a autoestima dos alunos e dos docentes, que também sofreram durante a pandemia, que também perderam entes queridos”, salienta a professora.
Conforme Santos, é fundamental trabalhar a importância da educação com os alunos, para que eles entendam que é possível ter um país igualitário e que por meio dos estudos eles poderão melhorar de vida.
“O nosso trabalho é mostrar que é possível o aluno frequentar uma universidade, ter uma qualificação e um bom salário. Eu acredito que a escola pública é o maior prestador de serviços deste país”, frisa a presidente da ACP.
Segundo a professora e secretária municipal de Educação, Alelis Izabel, o papel do professor continua sendo extremamente importante para que o setor educacional seja recuperado no pós-pandemia.
“Quando perdemos um ano na escola, são mais de 10 anos perdidos na educação, o professor é insubstituível, é ele quem aponta quando o aluno precisa de ajuda não só pedagógica, mas psicológica e socioemocional. Não existe outra figura além da família que seja tão importante quanto o professor para a sociedade”, diz Izabel.
VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
De janeiro a agosto deste ano, 59 casos de lesões corporais foram registrados nas escolas da Rede Estadual de Ensino (REE). Apesar de o registro ser o menor para o período em 10 anos, conforme levantamento do Correio do Estado com os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o clima de tensão permanece no ambiente escolar.
Para a professora Lilian Vieira, o crescimento da violência nas escolas é um reflexo do que os alunos vivem fora do ambiente escolar.
“A violência física, psicológica, verbal, entre outras formas, é consequência do que eles convivem fora da escola, inclusive de situações de agressão dentro do núcleo familiar, além do abandono, que também é uma forma de violência que deixa marcas”, pontuou.
Segundo Araújo, é cada vez mais comum que crianças que demonstram comportamento violento estejam inseridas em um ambiente desestruturado.
“O que eu tenho visto é que as crianças estão ficando cada vez mais sozinhas, sob a responsabilidade de um irmão mais velho, um primo, então, elas não estão tendo um acompanhamento efetivo dos pais para chamarem atenção sobre a violência praticada, o que eles podem ou não fazer, isso, hoje em dia, eles estão recebendo da escola”, diz.
“Algumas famílias ainda são participativas, não podemos generalizar, mas boa parte abandona os filhos para que eles se criem sozinhos”, complementa Araújo.
EXPECTATIVAS
Para além da valorização da profissão neste dia 15 de outubro, a professora Zélia dos Santos espera que, no decorrer dos próximos anos, os docentes possam contar com remunerações e condições de trabalho cada vez mais justas.
“Acredito que nos próximos anos teremos de fazer mudanças em vários aspectos, principalmente em tornar a escola mais atraente do ponto de vista físico, com o uso das tecnologias dentro das salas de aula. Nós precisamos de professores qualificados e com boa formação, salários justos, e que ele seja reconhecido como alguém que faz a mudança e a transformação da sociedade”, frisa.
A professora Lilian relata que às vezes os docentes são tudo o que os alunos esperam ver. “Isso me motiva a querer estar em uma sala de aula. Você percebe a transformação desse aluno quando ganha a confiança dele. Ele passa a acreditar em você, e é neste momento que a educação escolar vai além dos currículos”, salienta.
A docente espera que, para os próximos anos, haja reconhecimento de todas as esferas governamentais, familiares e sociais sobre a importância do professor.
“A educação é o melhor caminho para uma vida melhor, um país melhor. E o professor é o mediador para que nada fuja do caminho a ser trilhado”, finaliza.
Fonte: Correio do Estado